terça-feira, 22 de setembro de 2009

Divórcio e Novo Casamento:: O Ensino De Cristo Sobre O Divórcio II

Vamos agora considerar a declaração de nosso Senhor nos versículos 31 e 32, que versa sobre o tema do divórcio. Quero começar ressaltando que, quando chegamos a um tema e a uma passagem bíblica como esta, então notamos o valor de um estudo sistemático do ensino escriturístico. Quão freqüentemente se ouve um sermão calcado sobre um texto como este? Não é verdadeira a declaração que essa é uma espécie de questão que os pregadores tendem por evitar? E, naturalmente, ao assim fazerem, tornam-se culpados de um pecado. Não nos convém estudar algumas porções da Palavra de Deus e ignorar outras; não nos convém retroceder diante das dificuldades. Estes versículos, que ora consideramos, fazem parte da Palavra de Deus tanto quanto qualquer outro segmento das Escrituras. Mas, em face do fato que não costumamos expor a Bíblia de forma sistemática, devido à nossa tendência de separar os textos de seus respectivos contextos, e de escolher aquilo que nos agrada e interessa, ignorando e esquecendo-nos do resto, tornamo-nos culpados de uma vida cristã pouco equilibrada. Naturalmente, por sua vez isso leva ao fracasso na prática real. Portanto, para nós é um excelente exercício pesquisarmos dessa maneira corrente o Sermão do Monte, até atingirmos esta declaração do Senhor.Por uma razão ou outra, muitos comentadores, embora tenham planejado escrever um comentário sobre o Sermão do Monte, passam por cima deste assunto, sem o ventilarem. Todavia, podemos compreender facilmente por qual razão as pessoas procuram evitar uma questão desta natureza, embora isso não lhes sirva de justificativa. O Evangelho de Jesus Cristo diz respeito a cada aspecto e porção de nós mesmos, e não nos assiste o direito de dizer que existe alguma faceta de nossas vidas fora de seu escopo. Tudo o de que precisamos nos é suprido no Evangelho, onde encontramos um claro ensino e instrução acerca de cada aspecto de nossas vidas, de nossos seres. Ao mesmo tempo, porém, qualquer pessoa que se tenha dado ao trabalho de ler livros sobre esse tema, e as diversas interpretações em torno do mesmo, deve ter percebido que estamos a braços com uma questão circundada de inúmeras dificuldades. A maioria dessas dificuldades, todavia, é criação humana, podendo ser atribuída, em última análise, à doutrina da Igreja Católica Romana, a qual diz que o matrimônio é um sacramento. Tendo fixado posição, agora ela manipula as declarações da Bíblia para que se adaptem à sua teoria. Entretanto, deveríamos agradecer a Deus que não estamos abandonados a nós mesmos e às nossas idéias, mas antes, na Bíblia dispomos desse claro ensino e instrução. Nossa tarefa consiste em enfrentarmos com honestidade aquilo que é determinado pelas Escrituras.

Ao abordarmos esses dois versículos, lembremo-nos uma vez mais do seu pano de fundo ou contexto. Essa afirmação é uma daquelas seis declarações feitas por nosso Senhor, mediante as quais Ele introduz Seu assunto através da fórmula: “Ouvistes que foi dito… Eu, porém, vos digo…” Estes versículos aparecem naquela seção do Sermão do Monte onde nosso Senhor demonstrava a relação entre o Seu reino e o ensino da lei de Deus, a qual fora dada por intermédio de Moisés ao povo de Israel. Jesus começou afirmando que não viera para destruir, e, sim, para cumprir cabalmente; de fato, conforme Ele disse, nenhum “i” ou “til” haveria de passar da lei, enquanto tudo não fosse plenamente cumprido. E em seguida encontramos aquelas palavras que dizem: “Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus” (Mateus 5:19-20). Em seguida, o Senhor começou a expor o Seu ensino, à luz desse pano de fundo.

Guardando essa informação na mente, lembremo-nos igualmente, de que, nesses seis contrastes apresentados por nosso Senhor, Ele não estava comparando a lei de Moisés, como tal, com a Sua própria doutrina; antes, Ele comparava essa lei com a falsa interpretação exposta pelos fariseus e escribas. Nosso Senhor, como é óbvio, não declara que viera corrigir a lei de Moisés, porquanto essa era a lei de Deus, entregue a Moisés pelo próprio Deus. Não, o propósito de nosso Senhor foi o de corrigir a perversão, a interpretação falsa, conforme os escribas e fariseus vinham ensinando ao povo. Portanto, Jesus honrava a lei de Moisés, exibindo-a em sua notável plenitude e glória. Naturalmente, isso é exatamente o que Jesus faz com relação ao problema do divórcio. O Senhor estava particularmente interessado em desmascarar o falso ensino dos fariseus e escribas no que dizia respeito a essa importante questão.

A melhor maneira de abordarmos esse assunto consiste em estudá-lo de acordo com três divisões principais. Em primeiro lugar, devemos ter idéias claras acerca do que a lei de Moisés realmente ensinava sobre essa questão. Em seguida, precisamos ter a certeza do que os fariseus e os escribas ensinavam. Em último lugar, precisamos considerar o que o próprio Senhor Jesus ensinava.

Em primeiro lugar, pois, o que realmente ensinava a lei de Moisés acerca desse problema? A resposta acha-se em Deuteronômio 24, sobretudo nos versículos 1 a 4. Em Mateus 19, nosso Senhor refere-se novamente a esse ensino, e, em certo sentida oferece-nos um perfeito sumário do mesmo, embora ainda assim seja necessário examinarmos as declarações originais. Via de regra, há muita confusão a respeito desse ponto. A primeira coisa a observar na dispensação mosaica é que a palavra “adultério” não é mencionada dentro do ensino referente ao divórcio; e isso pela excelente razão que, sob a lei mosaica, a punição para o adultério era a morte. Sob a antiga lei, qualquer pessoa que fosse achada em adultério era apedrejada até morrer, e, por esse motivo, não havia necessidade desse pecado ser mencionado. Por causa do adultério, o matrimônio chega ao fim; todavia, não chegava ao seu término por causa de um processo de divórcio, e, sim, pela execução da sentença de morte. Esse é um princípio importantíssimo, que devemos entender com toda a clareza.

Qual, pois, era o objetivo e o propósito da legislação mosaica no tocante ao divórcio? A resposta para essa pergunta pode ser prontamente encontrada, não somente quando lemos Deuteronômio 24, mas, sobretudo, quando lemos aquilo que nosso Senhor declarou a respeito daquela legislação. O objetivo inteiro da legislação mosaica, quanto a esse particular, era meramente o de controlar o divórcio. A situação se tornara inteiramente caótica. Eis o que estava acontecendo. Naqueles dias, conforme você deve estar informado, geralmente os varões tinham as mulheres em baixíssima conta, e haviam chegado ao extremo de crer que eles tinham o direito de se divorciarem de suas esposas quase por qualquer razão indigna e frívola. Se um homem, por qualquer motivo que fosse, quisesse livrar-se de sua mulher, eis como agia. Apresentava qualquer espécie de desculpa esfarrapada, e, com base nela, divorciava-se de sua esposa. Naturalmente, a causa verdadeira da separação nada mais era do que a concupiscência e a paixão. É interessante observarmos como, neste Sermão do Monte, nosso Senhor introduziu o tema do divórcio em conexão imediata com o assunto imediatamente anterior, isto é, a questão toda da concupiscência. Há versões da Bíblia em que esses dois temas aparecem juntos, formando um único parágrafo. Talvez não seja certo fazer-se isso, mas, pelo menos, faz-nos lembrar a íntima conexão entre essas duas questões. A legislação mosaica, por conseguinte, foi introduzida a fim de regularizar e controlar uma situação que não somente se tornara confusa, mas que também era grosseiramente injusta com as mulheres, e que, em adição a isso, conduzia a sofrimentos intermináveis e indizíveis muitas mulheres e crianças.

Três grandes princípios foram aqui salientados. O primeiro é o princípio de um divórcio limitado a determinadas causas. Só era permissível quando havia algum defeito natural, moral ou físico, descoberto na mulher. Todas as diversas desculpas que os homens vinham usando e apresentando, agora estavam invalidadas. Antes que pudesse obter o divórcio, um homem tinha de provar que havia algum motivo deveras especial, descrito sob o título de “impureza” ou “imundícia”. Não somente o homem tinha de provar o fato, mas também tinha de estabelecê-lo à vista de duas testemunhas. Portanto, longe de oferecer um grande número de razões para o divórcio, a legislação mosaica limitava grandemente o número desses motivos. Ela eliminava todas as razões frívolas, superficiais e injustas, restringindo-as a uma única questão.

O segundo aspecto frisado pela legislação mosaica era que qualquer homem que se divorciasse de sua mulher teria que dar-lhe carta de divórcio. Antes da legislação mosaica, um homem podia simplesmente dizer que não mais queria a sua esposa, e podia despedi-la de casa; e ela ficava, portanto, à mercê do mundo inteiro. Uma mulher repudiada podia ser acusada de infidelidade ou adultério, e, dessa maneira, era passível de apedrejamento até à morte. Por conseguinte, a fim de proteger a mulher, essa legislação determinava que fosse dada uma carta de divórcio à mulher, um documento onde fosse especificada a causa do divórcio, não por causa de infidelidade conjugai, mas por causa de qualquer dessas outras razões que porventura tivesse sido descoberta. Essa providência tinha por intuito proteger a mulher, e a carta de divórcio lhe era entregue na presença de duas testemunhas, as quais ela sempre poderia convocar, em qualquer caso de necessidade. O divórcio foi transformado em uma medida formal e séria, e a idéia por detrás disso era a de gravar na mente daquelas pessoas que o divórcio era um passo solene, e não algo que se efetivasse frivolamente, em algum momento de paixão, quando um homem subitamente sentisse aversão por sua esposa e quisesse desvencilhar-se dela. Dessa maneira, pois, foi enfatizada também a seriedade do matrimônio.

O terceiro passo dado pela legislação mosaica era extremamente significativo, a saber, o homem que se divorciasse de sua esposa, dando-lhe carta de divórcio, não tinha a permissão de contrair segundas núpcias com ela. A questão era colocada assim. Um homem se divorciava de sua mulher e lhe dava carta de divórcio. Com essa carta na mão, ela tinha o direito de casar-se com algum outro homem. Ora, seu segundo marido também poderia vir a divorciar-se dela e dar-lhe uma carta de divórcio. Sim, estipulava a lei de Moisés, mas se isso viesse a acontecer, e ela estivesse na liberdade de casar-se pela terceira vez, não mais podia contrair matrimônio com o que fora seu primeiro marido. A força inteira desse preceito é exatamente a mesma, pois tendia por fazer aquela gente ver que o casamento não é uma aventurazinha da qual podiam entrar e sair ao seu bel-prazer. Antes, determinava a um homem que, se viesse a dar à sua esposa uma carta de divórcio, teria que fazê-lo de maneira permanente.

Quando examinamos a questão sob esse prisma, notamos que a antiga legislação mosaica na verdade está muito longe de ser aquilo que antes pensávamos que fosse, especialmente aquilo que os fariseus e os escribas ensinavam a respeito. Seu objetivo era o de impor certa ordem a uma situação que se tornara inteiramente caótica. O estudioso pode observar que essa sempre é uma característica de todos os pormenores da legislação mosaica. Tomemos, por exemplo, a questão da vingança, ou seja, “olho por olho, dente por dente”. Assim preceituava a lei mosaica. Sim, mas qual era o objetivo de uma determinação como essa? Não era ensinar ao povo judeu que se um homem danificasse um olho de outro homem, a vítima podia retaliar de igual maneira. Não, mas o seu propósito era o de dizer: Ninguém tem o direito de matar um homem por causa de uma ofensa desse tipo; antes, será olho por olho; ou então, se alguém danificar um dente de outrem, será dente por dente, e não mais do que isso. A legislação inteira a respeito visava restaurar a ordem a um estado caótico, limitando as conseqüências e legislando a respeito de cada situação em particular. Ora, a lei atinente ao divórcio preceituava precisamente a mesma coisa.

Ora, convém considerarmos o ensino dos fariseus e escribas porque, conforme temos verificado, era especialmente a esse ensino que nosso Senhor fazia alusão neste ponto. Eles diziam que a lei de Moisés ordenava, e até mesmo recomendava, que um homem se divorciasse de sua mulher, sob variegadas condições. Ora, como é evidente, a legislação mosaica jamais dissera coisa semelhante. A lei de Moisés nunca ordenou ao homem divorciar-se de sua mulher; tudo quanto ela fazia era dizer a um homem: “Se você quiser divorciar-se de sua mulher, só poderá fazê-lo segundo tais condições”. Entretanto, os fariseus e os escribas, conforme o Senhor Jesus deixou particularmente claro, em Mateus 19, quando falava sobre o mesmo tema, ensinavam que Moisés ordenara o divórcio. Como é lógico, o passo seguinte que eles davam consistia em exigir novamente o direito de se divorciarem de suas esposas, por causa de qualquer motivo tolo e insignificante que se possa imaginar. Eles tomavam a antiga legislação mosaica, no tocante a essa questão das impurezas, e acrescentavam a isso a sua própria interpretação sobre o que isso significaria. Chegaram assim ao extremo de ensinar que se um homem deixasse de gostar de sua esposa, ou se, por qualquer motivo, encontrasse nela algo que lhe parecesse insatisfatório, em certo sentido isso constituía uma “impureza” na mulher. Quão típico é isso quanto a doutrina dos fariseus e escribas, e seu método de interpretar a lei. Na realidade, porém, eles estavam fugindo da lei, tanto no que concerne à letra como quanto no que concerne ao seu princípio básico. E o resultado disso era que, nos dias de nosso Senhor, terríveis injustiças vinham novamente sendo cometidas contra as mulheres, que podiam receber de seus maridos cartas de divórcio pelos motivos os mais frívolos e disparatados. Para aqueles homens, só havia uma questão realmente importante, que era a outorga, de forma legal, de uma carta de divórcio. Quanto a isso, eles eram minuciosos, conforme também se mostravam a respeito de todos os demais detalhes legais. Não obstante, ninguém declarava mais o motivo do divórcio, pois esse motivo perdera a importância. O que era supremamente importante é que à mulher repudiada fosse dada uma carta de divórcio!

Nosso Senhor, pois, colocou a questão como segue: “Também foi dito” — pois isso é o que todos têm ouvido da parte dos escribas e fariseus. Qual é a coisa importante para “aquele que repudiar sua mulher”? que ele dê a ela uma “carta de divórcio”. Como é lógico, esse aspecto era importante, tanto que a lei de Moisés havia determinado esse preceito. Contudo, conforme é fácil de ver, esse não era o fator principal, como também não era aquilo que podia ser frisado e enfatizado. No entanto, no que dizia respeito aos fariseus e aos escribas, dar carta de divórcio ocupava o centro do quadro; e assim, ao enfatizarem isso, haviam perdido de vista o verdadeiro significado do matrimônio. Não tinham levado em conta a questão inteira do divórcio, e nem a razão para o mesmo, de uma maneira veraz, justa e correta. Dessa maneira o ensinamento mosaico havia sido pervertido pelos fariseus e escribas. Fugiam e evitavam enfrentar diretamente a lei, com as suas astutas interpretações e tradições, que eles haviam adicionado à lei. O resultado é que o intuito final da legislação mosaica já fora, mediante essas coisas, inteiramente escondido e anulado.

Isso nos conduz à nossa terceira e última principal divisão. Que dizia nosso Senhor quanto a isso? “Eu, porém, vos digo: Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada, comete adultério” (Mateus 5:32). Ora, a declaração que se encontra em Mateus 19:3-9 é extremamente útil e importante quanto à correta interpretação desse ensino, por ser uma explicação mais completa daquilo que nosso Senhor disse aqui, em forma de sumário. Os fariseus e os escribas haviam perguntado de Jesus, visto que procuravam apanhá-lo em uma armadilha: “É lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo?” Eles estavam realmente jogando com tudo quanto tinham, ao fazerem essa indagação, pois eles mesmos sancionavam tal ensino. E então o Senhor lhes deu a resposta. O primeiro princípio básico por Ele salientado foi o da santidade do matrimônio. “Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas…” Você deve observar que Jesus retrocedeu até a um tempo anterior ao daquele em que foi dada a legislação mosaica, isto é, até a lei dada no tempo da criação do homem. Quando Deus criou a mulher, para ser a ajudadora do homem, fez aquela grande afirmação. Dissera Deus: “… tornando-se os dois uma só carne”. “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.” O matrimônio não consiste em um contrato civil, e nem em um sacramento apenas. O casamento é algo mediante o que duas pessoas, marido e mulher, tornam-se uma só carne. Em tudo isso existe algo de natureza indissolúvel, e nosso Senhor retrocedeu até àquele primeiro princípio básico sobre a questão. Quando Deus criou a mulher para o homem, essa foi a intenção dEle, isso foi o que Ele indicou e ordenou. A lei ordenada por Deus é que o varão deixe pai e mãe a fim de unir-se à sua esposa, para que os dois se tornem uma só carne. Algo novo e distinto passa então a existir, antigos laços são rompidos, e um novo laço é formado. Esse aspecto, que alude a “uma só carne”, é deveras importante. Você poderá descobrir que esse é um princípio que percorre a Bíblia inteira, sempre que esse tema é tratado nas Sagradas Escrituras. É tema que pode ser visto em 1 Coríntios 6, onde Paulo diz que a coisa mais horrenda que circunda as relações sexuais ilícitas é que o homem se torna uma só carne com a prostituta — ensino esse dos mais solenes e graves. Nosso Senhor começa por aí. Ele retrocede até ao tempo da criação, ao ponto de vista original de Deus a respeito do matrimônio.

Contudo, alguém poderia indagar: “Se as coisas são realmente assim, como se pode explicar a legislação mosaica quanto a essa questão?” Sim, se esse é o ponto de vista divino sobre o matrimônio, por que Ele permitiu a instauração do divórcio, conforme as condições que temos estado a considerar? Nosso Senhor uma vez mais respondeu àquela pergunta dizendo que, devido à dureza dos corações humanos, Deus fizera uma concessão, por assim dizer. Deus não ab-rogou a Sua lei original referente ao casamento. Todavia, introduziu uma legislação temporária, para atender às condições então prevalentes. Deus estava controlando tudo. Exatamente a mesma coisa ocorrera no tocante ao estatuto que dizia “olho por olho, dente por dente”. Aquilo constituiu uma tremenda inovação, ao ser posta em vigor; mas, na realidade, Deus estava apenas conduzindo o povo judeu de volta à Sua declaração original. Explicou, pois, o Senhor: “Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres”. Não estava em vista a idéia que Deus advogava o divórcio, ou que Ele estivesse ordenando que um homem se divorciasse de sua mulher. Antes, Deus procurava lançar alguma ordem em uma situação que se tornara caótica, regularizando aquilo que se tornara inteiramente irregular. Precisamos manter no primeiro plano de nossas idéias essa questão do objetivo e da intenção primários de Deus, no que concerne a toda essa questão do casamento: marido e mulher feitos uma só carne, a indissolubilidade do matrimônio e a vida em comum sobre essas bases.

Esse primeiro princípio leva-nos ao segundo, o qual diz que Deus nunca, em parte alguma, ordenou que alguém se divorciasse. Os fariseus e os escribas sugeriam que assim acontecera, contudo, no caso da lei de Moisés. Sem dúvida a legislação mosaica determinava que um homem desse carta de divórcio à sua esposa, caso se divorciasse dela. Mas isso não equivale a um mandamento que ordene o divórcio. A idéia ensinada na Palavra de Deus não é somente o conceito da indissolubilidade do matrimônio, mas também é o conceito que envolve a lei do amor e do perdão. Precisamos desvencilhar-nos daquela abordagem legalista que leva um homem a dizer: “Minha esposa estragou a minha vida, e, por esse motivo, devo divorciar-me dela”. Na qualidade de pecadores indignos e sem qualquer merecimento, fomos todos perdoados pela graça de Deus, e isso deve fazer parte do quadro, controlando nossa perspectiva acerca de tudo quanto nos acontece, no que toca a outras pessoas, mormente em relação ao casamento.

O princípio seguinte reveste-se da mais capital importância. Só existe uma razão legítima para o divórcio — aquilo que é aqui chamado de “relações sexuais ilícitas”. Ora, nem preciso enfatizar toda a urgente relevância de todo esse ensinamento. Vivemos em uma época em que as condições se têm tornado caóticas quanto a essa questão do divórcio; e ainda há outras propostas, da parte dos legisladores, que tendem por facilitar ainda mais o divórcio, propostas essas que só servirão para agravar ainda mais o problema. Eis o ensino de nosso Senhor no tocante ao tema. Segundo Ele, só existe um motivo para o divórcio. Sim, há um motivo; mas somente um. E esse motivo é a infidelidade conjugai por parte de qualquer dos cônjuges. Esse termo “relações sexuais ilícitas”, é inclusivo e realmente significa infidelidade da parte de um dos cônjuges. “Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera” (Mateus 5:32). Cumpre-nos perceber quão importante é esse princípio. Ele revestiu-se de particular importância nos dias da Igreja primitiva. Se você ler I Coríntios 7, descobrirá que essa questão é novamente ventilada. Naqueles tempos, foi mister enfrentar o problema dessa maneira, o que envolveu um grande número de crentes. Imaginemos um casal. Subitamente o marido se converte, mas não a mulher. Temos aí um homem que se tornou uma nova criatura em Cristo Jesus, mas cuja esposa continua no paganismo. Àqueles primeiros crentes era rigidamente ensinada a doutrina que o crente devia separar-se do mundo e do pecado. Portanto, imediatamente eles chegavam à conclusão que os forçava a dizer: “É-me impossível continuar vivendo na companhia de uma mulher que continua paga. Por certo, se eu tiver de viver a vida cristã, terei de divorciar-me dela, porque ela não é crente”. E muitas mulheres, que se tinham convertido, mas não seus maridos, diriam a mesma coisa. Não obstante, Paulo ensina àqueles crentes que um marido, sob essas condições, não deveria abandonar sua esposa, por ter-se ele convertido, mas ela não. Como você está percebendo, nem mesmo isso servia de causa suficiente para o divórcio. Meditemos sobre todo esse moderno debate acerca da incompatibilidade de gênios. Poder-se-ia imaginar pessoas mais incompatíveis do que um crente e um incrédulo? Ora, de conformidade com as noções modernas, se jamais houve motivo para o divórcio, certamente esse seria o motivo principal. No entanto, o claro ensino das Escrituras é que nem mesmo isso serve de base para o divórcio. Diz o apóstolo Paulo: “Não abandone seu cônjuge incrédulo!” A esposa que se convertera, mas cujo esposo continuava na incredulidade, santificaria o seu esposo. Não precisaria temer acerca dos seus filhos; pois, se qualquer dos cônjuges fosse crente, a família inteira ficaria sob a proteção divina, desfrutaria do privilégio da nutrição cristã, dentro da vida ativa da Igreja.

Ora, esse é um argumento deveras importante e vital. Essa foi uma das maneiras de imprimir nos crentes esse grandioso princípio, estabelecido pelo próprio Senhor Jesus. Coisa alguma serve de motivo para o divórcio, exceto a infidelidade conjugal. Sem importar quão difícil se tenha tornado a situação entre marido e mulher, sem importar quais sejam as tensões e demandas, sem importar o quanto se possa dizer acerca da incompatibilidade de gênios, coisa alguma pode dissolver esse liame indissolúvel, salvo essa única causa, que é a infidelidade conjugai. E, eu enfatizo novamente que esse é o único motivo. Nosso Senhor mesmo afirmou ser essa a causa legítima para o divórcio. Jesus ajuntou que Moisés fizera determinadas concessões, “por causa da dureza do vosso coração”. No entanto, isso era agora proposto como um princípio básico, e não mais como uma concessão à desobediência humana. Jesus mesmo asseverou que a infidelidade conjugal é motivo suficiente para o divórcio, e a razão para tanto é absolutamente óbvia. Uma vez mais, está em pauta aquela idéia bíblica que marido e mulher são “uma só carne”; pois o cônjuge que se fez culpado de infidelidade rompeu esse laço ao unir-se sexualmente a uma terceira pessoa. O elo se quebrou, não existe mais “uma só carne”, e, por esse motivo, o divórcio é perfeitamente legítimo. Quero enfatizar, uma vez mais, que não encontramos aqui um mandamento. Todavia, temos aqui a única causa legítima para o divórcio, e o homem que se vir na situação aqui retratada tem o direito de divorciar-se de sua mulher, e a mulher tem o direito de divorciar-se de seu marido.

O passo seguinte deixa tudo isso ainda mais claro. Nosso Senhor esclareceu que se alguém divorciar-se de sua mulher, por qualquer outro motivo que não seja a infidelidade conjugal, arrisca-se a torná-la adúltera. “Eu, porém, vos digo: Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera.. .” (Mateus 5:32). O argumento pode ser reduzido ao seguinte: Só existe uma coisa capaz de romper os laços matrimoniais. Portanto, se um homem vier a separar-se de sua esposa por qualquer outro motivo, estará separando-se dela sem haver rompido aqueles laços. Isso posto, ele a estará forçando a quebrar esses laços, se porventura ela vier a casar-se de novo; e, assim sendo, ela estaria cometendo adultério. Destarte, o homem que se divorcia de sua mulher por qualquer razão que não seja essa, ao assim fazer estará obrigando sua mulher a cometer adultério. O marido será o causador desse adultério, e o homem que vier a casar-se com a mulher repudiada também será adúltero. Isso posto, nosso Senhor reforçou esse grande princípio, da maneira positiva e clara. Só existe uma causa legítima para o divórcio, e não há outra.

Qual, pois, é o efeito dessa doutrina? Poderíamos sumariar a questão como segue. Nosso Senhor mostra-nos aqui que Ele é o grande Legislador. Todas as leis tiveram origem nEle; tudo quanto diz respeito a este mundo e a esta vida, veio dEle. Houve uma legislação temporária para os filhos de Israel, devido às suas circunstâncias peculiares. A pena imposta pela legislação mosaica aos adúlteros era a morte por apedrejamento. Nosso Senhor, entretanto, ab-rogou essa legislação apenas temporária. E a próxima coisa que Ele fez foi legitimar o divórcio no caso de relações sexuais ilícitas. Jesus mesmo firmou dessa maneira a lei. E dois são os grandes resultados dessa Sua doutrina. Daquele tempo em diante homens e mulheres não mais seriam apedrejados até à morte, por motivo de adultério. Se alguém quiser tomar alguma providência, em face de um caso de adultério, que se divorcie. E daí podemos deduzir, mui legitimamente, importante e séria conclusão. Podemos afirmar não somente que um homem que se divorciou legitimamente de sua mulher — em face de adultério por ela cometido — tem o direito de fazê-lo, mas podemos ir ainda mais adiante e dizer que o divórcio pôs ponto final àquele casamento, e que agora aquele homem está livre de obrigações matrimoniais; e, na qualidade de homem livre, tem o direito de casar-se novamente. O divórcio, quando legítimo, põe fim a toda e qualquer vinculação anterior, segundo ensinou o próprio Senhor Jesus. O relacionamento daquele homem para com sua esposa tornou-se o mesmo como se ela tivesse morrido; e este homem inocente tem o direito de casar-se de novo. Mais do que isso, se ele é um homem crente, então tem o direito de ter um casamento cristão. Porém, nesse caso, somente ele teria esse direito, e não ela; ou vice-versa, caso o culpado tivesse sido o homem.

Alguém poderia indagar: “E quanto ao cônjuge culpado, nada há para ser dito?” Tudo quanto posso adiantar acerca desse cônjuge (e digo-o com extrema cautela, após muita meditação, quase com senso de temor, pois a ninguém quero transmitir a idéia de que estou encorajando o pecado, através de alguma declaração minha), que, com base no Evangelho de Cristo, e a interesse da verdade, sou compelido a asseverar o seguinte: O próprio adultério não é o pecado imperdoável. Trata-se de um pecado terrível, mas Deus nos livre de pensar que alguém que tenha cometido tal pecado fique de tal modo separado do amor de Deus e expulso do Seu reino. Não; mas se alguém arrepender-se verdadeiramente de seu pecado de adultério, percebendo a enormidade desse delito e entregando-se aos cuidados do amor, da misericórdia e da graça de Deus, que não conhecem limites, então poderá estar seguro do perdão divino. Todavia, que o tal ouça as palavras de nosso bendito Senhor: “Vai, e não peques mais” (João 8:11b).

Aí, portanto, foi exposto o ensinamento de nosso Senhor sobre tão vital assunto.

Você é testemunha das condições vigentes no mundo e na sociedade ao nosso redor.Surpreende-nos ainda que este mundo seja o que é, quando homens e mulheres brincam e se divertem com as coisas mais sérias e com a Palavra de Deus, em uma questão tão importante quanto é o matrimônio? Que direito temos para esperar que as nações cumpram os seus acordos, uma vez que homens e mulheres, nem mesmo quanto às questões mais solenes e sagradas, como é o caso do matrimônio, observam os seus deveres? Devemos começar por nós mesmos; devemos começar pelo princípio; precisamos observar a legislação divina em nossas próprias vidas, como indivíduos. Então, e somente então, teremos o direito de confiar em povos e nações, esperando um tipo diferente de conduta e comportamento da parte do mundo em geral.

(Texto extraído do capítulo 24 de “Estudos no Sermão do Monte”, Martyn Lloyd-Jones, editora Fiel).

por Martyn Lloyd-Jones

Fonte: Impacto

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